SABBATH
“Ritos
Sazonais são virtualmente tão velhos como os montes sobre os quais eles costumavam
ser praticados pela maioria da humanidade, e
até hoje são mantidos de modo muito
atenuado por uma pequena minoria de
ocultistas.”
William
G. Gray
Sabbath do
hebraico Shabbath significa descanso. Sábado, em português, vem do latim
sabbatum, que, por sua vez foi emprestado do grego sábbaton. Este, seria
proveniente do hebraico shabbath, que, etimologicamente, deriva do verbo sabat
(parar). Outras fontes o extraem de seba (sete), ou o tomam como corruptela do
termo sabi'at (sétimo dia). Tenhamos em conta ainda que o hebraico sabbat
guarda enorme semelhança com sapatu, que em dialeto árcade primevo significava
"parada, descanso", também "sono da lua". Nesse caso, o
termo hebraico seria originário do grego, ao contrário da primeira hipótese. No
decorrer do ano lunar, ou 13 lunações, as Bruxas comemoram 8 Sabbaths, ou seja,
rituais associados ao nascimento do Deus Cornífero, seu casamento com a Deusa
e, posteriormente sua morte. O conceito de morte, para nós, representa a
renovação da vida, e é tão somente, a passagem do plano material para o
espiritual. Estas celebrações também apresentam correspondência com as quatro
estações do ano, pois embora a maioria das pessoas estejam pouco conscientes da
mudança das estações, nós Bruxas abraçamos as estações com ardente entusiasmo.
Os Sabbaths,
tanto grande como pequenos, marcam o começo do inverno, dão boas vindas ao
primeiro sopro da primavera, proclamam a glória do verão e revelam o presente
da colheita. Antigamente
os Bruxos acreditavam
que, se não comemorassem
os Sabbathss, as estações não se sucederiam perfeitamente.
Mais do que isso,
hoje sabemos que comemorá-los
compreendendo seu sentido nos aproxima e nos conecta à Natureza, acertando o passo entre nós, e, com isso, nos equilibrando.
Os
Sabbaths dão uma estrutura de tempo
natural com a qual se pode trabalhar e medir o progresso pessoa. Durante os meses de inverno nós pensamos
sobre o que precisa ser feito ou conseguido. Na primavera nós começamos a nos
preparar para a tarefa a ser feita formulando um plano de ação e então
plantando as sementes do desejo. Durante os meses de verão nós nutrimos e protegemos,
com um trabalho duro. Com a chegada do outono nós estamos pronto para colher os
frutos de nossos esforços e receber as recompensas do nosso esforço.
Um pouco de
História a cerca dos Sabbaths:
A Igreja, já
no ano de 360, no sínodo de Elvira, admitia a existência dos poderes mágicos,
que seriam decorrentes de pactos com o demônio, e negava a comunhão, mesmo à
hora da morte, para os que caíssem em tal tentação. Até o século XI, a Santa Sé
diferenciava os seres maléficos, devotados aos sortilégios, aos encantamentos
por bonecos de cera, aos filtros e maus-olhados, das strigae, demônios
femininos que sob a forma de pássaro se alimentavam de recém-nascidos. Strega,
bruxa em italiano, deriva-se daí, e em português temos igualmente o termo
estrige; ambos oriundos da raiz latina strix, a significar coruja, pássaro
noturno ou qualquer outra ave de rapina. Um século antes, o monge Regino de
Prün dizia que voar à noite com a deusa Diana não podia ser algo real, senão
mera ilusão provocada pelo Demônio. Mas foi durante o século XII que se
difundiu mais rapidamente a idéia do sabá, reunião noturna das sextas-feiras, à
qual compareciam as bruxas voando em suas vassouras, cavalgando seus bodes, ou
mesmo transformadas sob a forma de pássaros. Para que pudessem voar, untavam
seus corpos com uma poção mágica por elas preparada; e na cerimônia, iniciada à
meia-noite, entregavam-se a orgias e ao Demônio.
Somente em
1250 é que alguns bispos entregam ao dominicano Étienne de Bourbon a primeira
descrição do sabá. Oito anos depois iniciam-se os processos por feitiçaria, e
só no ano de 1275, após várias condenações, uma primeira acusada é morta na
fogueira. O próprio São Tomás de Aquino (1225-1274), expoente da escolástica,
declara ser possível a união carnal com Satanás. "Tudo o que acontece por
via natural, o diabo pode imitar!", afirmou.
Em 1318, o
bispo de Cahors é condenado à fogueira sob acusação de haver tramado
magicamente contra o Papa João XXII, por encantamento com boneco de cera, do
qual a história tem relatos semelhantes desde 2500a.C. O poeta Virgílio
(70-19a.C.) também fez referência à mesma prática. Em 1398 será a vez da
Universidade de Paris reforçar a tese da união sexual entre as bruxas e o
demônio, e em 1424 o monge Bernardino de Siena (1380-1444) prega contra as
artes mágicas em Roma. Em 1465, curioso fato, é condenado à fogueira o prior da
ordem dos Servitas, dono de um bordel, acusado não de empreender qualquer tipo
de negócio ilícito, mas sim porque eram súcubos (demônios sob a forma feminina)
quem ele oferecia aos que visitavam sua casa de prazeres.
Até
esse momento, no entanto, os processos só eventualmente levavam à pena capital.
Embora houvesse campanhas da Igreja contra hereges e pagãos, nenhuma caça
sistematizada às bruxas existia. Tanto é que os carmelitas, em 1474, de seu
púlpito, arriscavam-se a prever o futuro durante as missas, e o diziam fazer
com auxílio dos demônios. Só com a reiterada insistência de dominicanos alemães
é que o Papa Inocêncio VIII, em 5 de dezembro de 1484, publica a bula Summis
Desiderantes Affectibus ("Desejando com Suma Ansiedade"), que
espalharia o terror pelo continente: "...tem chegado recentemente a
nossos ouvidos que em certas regiões da Alemanha setentrional [...] nas
dioceses de Mainz, Colônia, Trier, Salzburgo e Brêmen, muitas pessoas de ambos
os sexos, esquecendo-se de sua própria salvação e apartando-se da Fé Católica,
têm mantido relações com os demônios [...] por meio de encantamentos, feitiços,
conjuros e outras superstições malditas..." Confirmada pelo imperador Maximiliano I, o Papa
designa para executar a bula, a começar pelo país reclamante, os monges
Heinrich Institor e Jacob Sprengher. Este último, deão da Universidade de
Colônia, publicaria dali a dois anos, com Heinrich Kramer, prior de Salzburgo,
a mais importante obra sobre demonologia da história, o temível Malleus
Malleficarum ("O Martelo das Bruxas"), fonte de inspiração para todos
os tratados posteriores.
O
"Malleus", código atroz contra as artes negras de magia, mais
do que a bula papal, peremptoriamente abriu as portas para o rolo compressor da
santa histeria em que se transformou a Inquisição. Sua intenção era pôr em
prática a ordem do Êxodo, 22;17: "A feiticeira, não a deixarás com
vida".
"Martelo
das Bruxas" dividia-se em três partes. A primeira discursava aos
juízes, ensinando-os a reconhecer as bruxas em seus múltiplos disfarces e
atitudes. A segunda expunha todos os tipos de malefícios, classificando-os e
explicando-os. A terceira regrava as formalidades para agir
"legalmente" contra as bruxas, demonstrando como inquiri-las para
sempre condená-las.
O
processo era cruel. Levava-se ao tribunal qualquer um que fosse suspeito de
feitiçaria. Bastavam três testemunhas para que juntas servissem como
"prova" dos autos. Os filhos podiam entregar seus pais; os cônjuges
podiam delatar-se mutuamente. Por meio de tortura obtinham-se as confissões. Os
réus eram ainda submetidos às provas ordálicas; nestas, qualquer mancha escura
na pele do acusado serviria como prova do pacto com o Demônio. A
insensibilidade à dor em qualquer parte do corpo também era indício de
feitiçaria; ademais, amarravam-se os suspeitos em cruz sobre madeiras, e os
atiravam nalgum rio. Se o acusado não afundasse, estava aí a prova de que o
Diabo o protegia, razão pela qual era entregue à fogueira; caso se afogasse,
estaria antecipada a justiça divina.
Extraíam-se
assim as mais absurdas confissões, incluindo transformações dos envolvidos em
cisnes negros, gatos ou lobos; também suas sevícias trocadas com Satanás.
Na Alemanha, onde nascera o terror,
os números não deixam dúvidas do empenho inquisitorial: 45 feiticeiras
queimadas num só ano em Colônia; em Salzburgo, 79; 300, em 3 anos, na Província
de Babemberg; quase mil em Wuerzburgo; e mais de 6.500 em Trier!
Um curioso episódio
merece ser contado. Três mulheres incriminavam um homem perante o implacável
Sprengher, de ele lhes ter lançado um mau-olhado, posto que, ao mesmo tempo
haviam sentido um arrepio quando estava perto delas somente o tal rapaz. O
acusado jurava por todos os santos ser inocente; mas em vão. Por fim,
sentenciado à fogueira, sua memória clareou; disse ser mesmo verdade, pois
agora se lembrava de que na hora em que lhe atribuíam o mal feito ele de fato
expulsara aos chutes três gatas pardas que haviam sorrateiramente entrado em
sua casa. Sprengher, meritíssimo esclarecido, compreendeu então o fato; mandou
libertar o pobre homem e levou à fogueira as acusantes.
Com o
terror espalhado, o fantasioso distorcia a realidade. Mulheres histéricas,
convencidas de sua culpa, muitas vezes aceitavam resignadas sua condenação à
fogueira. Há casos de senhoras maiores de 80 anos confessando em detalhes como
haviam sido violentadas pelo demônio. Em várias cidades as escolas são
fechadas, posto que serviam às crianças para que trocassem entre si
conhecimentos mágicos proibidos.
Em
que pese a histeria disseminada no bojo do horror da Inquisição, algo resta
acima de qualquer dúvida: os relatos do sabá tomados por confissão na Alemanha,
em nada diferiam dos que eram detalhados pelas bruxas suíças, francesas,
italianas, espanholas ou portuguesas. Na Inglaterra, onde a forca era quem
esperava os hereges, os relatos são quase idênticos. Onde quer que se
prendessem as bruxas, as confissões acerca do sabá traziam curiosa
coincidência, que não poderia ter sido mera obra do acaso. Se por um lado os
Tribunais forçavam seus réus a mentiras e falsas confissões que os
incriminassem, por outro, havia de fato uma cultura pura, não cristã, ou cristã
divergente da moral católica, que nem se importara muito com a Igreja até esta
resolver deitar sua rede de holocausto sobre os povos pagãos, como os cátaros
albingenses e os valdenses no sul da França, por exemplo, dentre outras tantas
minorias germânicas que, massacradas pela Inquisição, refugiaram-se em terras
nórdicas.
Sobre o rito
do sabá das feiticeiras, concluíram os Tribunais: uma bruxa servia sempre de
altar. A seu lado, uma figura de madeira, com chifres, representava o bode, ou
Satanás. As estriges chegavam "voando" sobre suas vassouras, isto é,
com o falo em suas mãos e por entre as pernas. Havia um banquete, durante o
qual corria uma poção mágica, sempre uma beberagem excitante, a qual predispunha
os participantes ao sexo sem critério. Era feita então a oferenda ao Diabo,
geralmente alimento e bebida; apresentava-se a hóstia negra; consagrava-se o
último morto e o último nascido na comunidade, já que à Terra voltam os que
dela nascem; invocava-se o raio; e por fim dilacerava-se um animal em
sacrifício ao Demônio.
Ora, parece
claro a qual tradição nos reportam os sabás das feiticeiras; nenhuma outra
senão a pagã. Algo bem mais antigo e distante do que representa o sabbat dos
hebreus. E à Igreja coube a façanha sangrenta de pôr fim a quaisquer resquícios
destes rituais, e fez associar a figura até então quase apagada do Demônio às
práticas consideradas heréticas. Deturpando os relatos dos que freqüentavam
livremente tais cerimônias, interpretando-os como obra demoníaca, reformulou a
roupagem dos mitos de fertilidade e inventou o Mal que neles nem havia. Foram tantos os
processos e tão assustador o cenário de vida montado pela Inquisição, que esta
não fez senão maior milagre que o de espalhar a fé no Demônio por toda a parte,
criando-O para sempre a partir da santa luta que despendeu durante séculos
contra Ele. Enquanto o espírito da Renascença revelava sua lucidez e
ressuscitava clássicos da filosofia platônica e aristotélica que invadiam o
mundo, traduzidos pelos árabes (não cristãos, evidentemente), a religião cristã
sadicamente se divertia em sua cruzada insana contra as bruxas. Numa época em
que as artes progrediam, e as Universidades se firmavam, o Demônio crescia para
o mundo quanto mais a Igreja lançava almas ao fogo de seu abismo. Lentamente extinguir-se-ão as
fogueiras...a última condenação teve lugar em 1793; e no México a Inquisição
fecharia suas portas somente um século mais tarde. Nem as ciências, nem a medicina ou
psicologia estavam desenvolvidas durante a "caça às bruxas" de modo a
impedir este fenômeno hediondo, fruto da superstição cristã.
Texto: Revista
Planeta, Julho de 2000
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