domingo, 15 de junho de 2014

HESTIA E VESTA - AS GUARDIÃS DA CHAMA SAGRADA

HÉSTIA E VESTA – As Guardiãs da Chama Sagrada



Héstia era a filha primogênita do casal de Titãs Rhea e Chronos, considerada uma das doze divindades olímpicas, mas que cedeu seu lugar no Monte Olimpo para o deus Dionísio, pedindo em troca o direito de permanecer virgem. Apesar da sua importância como deusa guardiã da lareira, da família e da comunidade, Héstia não tinha um templo específico, nem foi “personificada” em imagens ou estátuas. Mesmo “invisível” no plano físico, Ela era a mais presente divindade na vida humana sendo representada pela luz e o calor do fogo, honrada em cada casa, cidade e nos templos dedicados aos outros deuses. O fogo aceso nos altares dos templos e nas lareiras das moradias era o pedido e o convite para que Héstia se tornasse presente, trazendo as bênçãos da iluminação. Héstia não tinha rituais específicos, a veneração da chama sagrada sendo a maneira antiga e atual para que Ela seja reverenciada e invocada.
Ela recebia as honras em primeiro e último lugar, devido aos direitos especiais do seu nascimento e renascimento. Conta o mito que à medida que a deusa Rhea dava à luz aos seus filhos, Chronos os engolia, por temer ser por eles destronado. Quando Zeus nasceu, Rhea conseguiu enganar Chronos dando-lhe uma pedra enrolada em panos para engolir e escondeu Zeus na gruta do Monte Ida onde foi criado por sacerdotes e amamentado pela cabra Amalthea. Quando se tornou adulto, Zeus deu um vomitório para Chronos para expelir todos os filhos por ele engolidos; a última a ser devolvida foi a primogênita Héstia, daí seu título de “a primeira e a última”.
Diferente das outras divindades, Héstia jamais participou nas disputas ou intrigas entre os deuses, nem nas guerras promovidas pelos seus irmãos, adquirindo assim o direito de ser reverenciada como o centro da casa e do templo e receber as honras e oferendas em primeiro e último lugar. Por ter imposto sua vontade de permanecer “virgem” e jamais aceitar um homem na sua vida, Ela (assim como Ártemis e Athena) era invulnerável às flechas de Eros e aos feitiços de amor de Afrodite.
Poucos escritos existem sobre Héstia, a principal fonte de informação está nos hinos do poeta Homero. A sua importância para o povo grego estendia-se além das reverências e oferendas a Ela dedicadas, que eram feitas antes de cada refeição ou ritual. Pedia-se sua bênção para o fortalecimento da unidade familiar; para isso, quando uma mulher casava, sua mãe levava uma tocha acesa na lareira da casa materna para consagrar a moradia dos recém casados. Este ritual mostra a importância da continuidade da energia ancestral feminina e do elo entre mãe e filha. Quando uma criança nascia e tinha cinco dias de vida, a família se reunia ao redor da lareira e ela era apresentada à Héstia, pedindo Sua bênção e permissão para a admissão no clã familiar.
Além de ser o elo entre humanos e o plano divino, Héstia também era a protetora dos templos e das comunidades. O estado era uma continuação da família e cada cidade tinha nos templos um santuário chamado Prytantis e uma lareira dedicada à Héstia, zelada pelas sacerdotisas chamadas Prytantes. Visitantes e viajantes pediam as bênçãos para sua estadia ou viagem nestes santuários e os suplicantes e foragidos neles encontravam asilo e proteção. Do templo principal era levada a chama para abençoar as novas cidades e colônias e acender novas lareiras, Héstia sendo o elo que ligava o lar ancestral da capital para os confins do império, da mesma maneira como era feito com a continuidade do fogo materno para os descendentes.
Como arquétipo Héstia representa a essência (em grego a palavra é essia), o centro da psique, a própria chama interior da natureza divina. Ela também simboliza a energia feminina invisível que permeia um lugar ou situação, tornando este local sagrado.
Como deusa virgem personifica o conceito da autossuficiência, ou seja, “ser completa em si mesma” sem precisar da presença de um pai, marido, filho ou amante. Nesta condição podia seguir seus próprios valores e caminhos, sem lutar pelo poder, sem ter que se submeter à autoridade masculina ou fazer concessões.
O termo latino para “lareira” é focus e na interpretação astrológica o asteróide Vesta define a capacidade de focalização e concentração em um determinado objetivo, o que exige a prática do silêncio, introspecção e meditação. Para as mulheres marcadas por sua influência (seja pela presença relevante do asteróide no mapa natal ou através de uma conexão voluntária) o estado de contemplação e as práticas de focalização tornam-se mais fáceis. Mesmo atividades corriqueiras ou afazeres de casa  podem ser um meio para ordenar pensamentos e silenciar a mente, encontrando assim momentos de quietude, introspecção e harmonia interior. Conectando-se com a energia de Héstia, a agitação e pressa, a habitual cobrança e o senso exagerado do dever e fazer tornam-se menos importantes; realça-se assim o valor e a necessidade de estar conscientemente no “aqui e agora”. Cada vez que uma mulher cria ordem, beleza, paz e harmonia em um ambiente, ela consagra este espaço.
Desde a pré-história o fogo era o centro da vida comunitária, além de fornecer luz e calor era o ponto de encontro dos clãs e dos conselhos de anciãos, sendo também um símbolo de hospitalidade e proteção. Para as mulheres contemporâneas momentos de solidão e de silêncio são requisitos necessários para o centramento e as práticas espirituais. Apesar do ritmo agitado da vida e das pressões e exigências modernas, as mulheres que
buscam seu crescimento e evolução espiritual, não precisam ir para o longínquo Avalon, nem se retirar em um mosteiro ou ashram. Basta criar um tempo e espaço sagrados, formar um grupo ou círculo junto com outras mulheres, tendo um propósito e um centro espiritual e permanecendo em silêncio e meditação. O mergulho no âmago das essências individuais possibilita encontrar a conexão e a força nutridora de Héstia. A representação do centro pode ser uma vela ou lamparina, um cristal, uma mandala ou imagem da luz divina.
A versão romana de Héstia era personificada por Vesta e seus cultos diferiam em alguns aspectos. Vesta também era uma força sagrada estabilizadora e centralizadora, protetora das famílias e cidades. No entanto, suas sacerdotisas - as Vestais - tinham maior prestígio e atuação do que as Prytantes, os romanos tendo um maior número de festividades públicas para reverenciar Vesta do que os gregos, onde o culto era concentrado nos lares. O fogo sagrado de Vesta era velado no Fórum Romanum por seis Vestais em um templo esférico que reproduzia a Terra e cujo perímetro era proibido aos homens após o anoitecer. As Vestais eram escolhidas entre as filhas de famílias nobres e elas deviam servir por trinta anos, dos quais dez eram de aprendizagem, mais dez de sacerdócio e os últimos para ensinar as novas vestais. Elas deviam manter sua castidade sendo submetidas a regras severas e caso infringissem seu voto, eram enterradas vivas. Como recompensas recebiam alguns privilégios: convites para jantares com autoridades, os melhores lugares nos teatros e arenas, passeios de carruagem; elas não eram submetidas à autoridade paterna podendo possuir bens, e, depois dos trinta anos de serviço, podiam casar. Por serem consideradas imbuídas de poderes especiais, eram honradas por todos e podiam perdoar condenados caso passassem perto deles. Sua pureza era considerada a garantia da segurança e salvação de Roma e por isso vigiada em permanência pelo Sumo Pontífice. Com o passar do tempo as vestais se tornaram “bodes expiatórios” e usados para fins políticos, lhes sendo atribuídas as causas de desastres naturais ou as derrotas nas batalhas, por – supostamente- terem infringido seus deveres e quebrado o voto de castidade. Nas festividades de Vestália - que duravam de 7 a 15 de junho - as matronas romanas descalças e veladas seguiam em peregrinação para levar o pão por elas assado como oferenda para os templos. No final do festival, as Vestais fechavam o templo, o lavavam e abriam depois com um banquete oferecido às divindades com a presença exclusiva de mulheres. Uma vez por ano, no dia primeiro de março, o fogo sagrado era apagado e novamente acesso ritualisticamente pela fricção de dois paus, revelando o simbolismo oculto de Vesta como deusa geradora e sustentadora das mulheres e das famílias.
Atualmente perdemos o respeito pela continuidade da união familiar com a reverência e gratidão ao sagrado antes das refeições. Vivemos na era do fast food com todas as suas conseqüências nefastas: falta de diálogo e convívio entre pais e filhos, distúrbios alimentares, diabetes, obesidade. Por não mais honrar e ancorar a energia unificadora e protetora de Héstia no nosso cotidiano, negando o lugar de honra do Seu fogo sagrado nas nossas casas, canalizamos o aspecto sombrio e destrutivo do fogo que se manifesta no superaquecimento global, nos desequilíbrios e conflitos religiosos, na falta de respeito e de reverência perante o sagrado e a natureza.

No entanto o arquétipo de Héstia permanece esquecido e ocultado no nosso inconsciente e caberá a nós - mulheres conscientes da nossa força e missão espiritual – reacender o fogo sagrado, em nós, nas nossas vidas e famílias. Para isso precisamos encontrar novas formas de manter a união e harmonia familiar, cuidando da alimentação saudável dos filhos, evitando a poluição ambiental e mental pelo consumismo, a invasão das comidas refinadas e processadas. Podemos e devemos criar singelos momentos de silêncio e de gratidão pelo pão diário, em uma oração conjunta nas refeições ou ao redor da chama de uma vela.
O nosso desafio como mulheres, filhas, esposas ou mães é saber como combinar as exigências do mundo externo, estressante e caótico, com a missão ancestral de cuidar da casa, da harmonia familiar e da manutenção da chama sagrada. A resposta se encontra nos pequenos gestos: ficar junto para conversar sem olhar TV ou ler jornal, incentivar encontros familiares em datas sagradas, informar-se sobre os alimentos saudáveis, mobilizar pessoas para grupos de estudo e oração, preservar a coesão e sintonia grupal evitando discussões, disputas e competições. Quanto mais isso possa ocorrer e melhor bem estar e harmonia forem alcançados e compartilhados, mais fácil será despertar e ativar o fogo sagrado de Héstia no coração de outras pessoas, criar núcleos luminosos no centro das moradias e das comunidades, para poder curar corpos e mentes e fortalecer a essência divina de todos.

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