Ao longo da história da humanidade, mulheres de várias culturas reuniam-se em círculos para reverenciar o Feminino, adorar deusas, realizar rituais, celebrar seus ciclos e ritos de passagem, compartilhar histórias, saberes e sentimentos e apoiarem-se. Contudo, essas práticas foram, com o tempo, perdidas, principalmente pela instauração do pensamento patriarcal.
A postura social contemporânea, habitualmente fundamentada no sistema patriarcal vigente, é de distanciamento, exclusão, sobreposição de poderes e falta de contato corporal respeitoso. São fatores que desvalorizam os saberes de alguns grupos em detrimento do estabelecimento de poderes de outrem, controlando e silenciando corpos.
Principalmente com o advento de movimentos feministas e de resgate do Sagrado Feminino, essas heranças do patriarcado têm sido, aos poucos, desconstruídas, sendo retomado o pensamento circular e holístico de culturas matrísticas ancestrais, em que se valorizavam o sentimento de pertença, o estabelecimento de vínculo e a qualidade da presença espontaneamente experimentadas em vivências em rodas. É trazida novamente a importância e o poder curativo da união de mulheres, da sororidade, do empoderamento pelo autoconhecimento e das vivências em conjunto.
"O pensamento patriarcal é essencialmente linear, ocorre num contexto de apropriação e controle, e flui orientado primariamente para a obtenção de algum resultado particular porque não observa as interações básicas da existência. Por isso o pensamento patriarcal é sistematicamente irresponsável. O pensamento matrístico, ao contrário, ocorre num contexto de consciência da interligação de toda a existência. Portanto, não pode senão viver continuamente no entendimento implícito de que todas as ações humanas têm sempre conseqüências na totalidade da existência" (MATURANA, 2004, p. 47).
Quando mulheres voltam a reunir-se em círculo, elas têm a oportunidade de mudar esses paradigmas, valorizando o reconhecimento, o respeito e o sentimento de pertença. Segundo Mirella Faur, o círculo tem o poder de coletar, concentrar e direcionar energias para efetuar mudanças e ajudar nas transformações individuais e coletivas. É um meio de criar um espaço seguro para praticar a comunicação aberta, compartilhar saberes e sentimentos, criar relações baseadas na confiança e no respeito, curar feridas da alma e trocar experiências, reconhecendo a interdependência com o Todo e buscando uma comunhão de valores e objetivos.
"Os círculos de mulheres resgatam e ativam a ancestral conexão com o sagrado, explorando, criando e desenvolvendo formas específicas para expressá-lo em conjunto, mas levando em consideração as visões e sugestões individuais. Os encontros proporcionam um espaço seguro, não encontrado na cultura contemporânea, para apoiar e incentivar o desenvolvimento e fortalecimento pessoal. (...) Os círculos de mulheres podem tecer uma teia firme e ampla para ensinar e divulgar as qualidades femininas de conexão, colaboração, apoio e compaixão, contrabalançando os comportamentos de competição, agressividade, autoridade e autonomia. Em outras palavras, os círculos de mulheres podem resgatar a consciência lunar e telúrica (as práticas da Tenda Lunar), em equilíbrio e interação harmoniosa com a mentalidade e o comportamento solar e marciano (características do Império do Sol)" (FAUR, 2011, p. 56-58).
Independentemente das atividades de cada círculo (realização de rituais, partilha de conhecimentos e sentimentos, desenvolvimento pessoal e espiritual etc.), Mirella Faur sugere que se prime pela igualdade, respeito e responsabilidade, sempre proporcionando o mesmo espaço para as mulheres que do círculo participam, podendo existir uma condutora ou organizadora. Assim, de círculo em círculo, mulheres vão se curando e curando o mundo, desconstruindo os padrões outrora impostos.
"Os Círculos de Mulheres são formados um a um. Cada Círculo expande, para mais mulheres, a experiência de pertencer a um deles. Cada mulher, em cada Círculo, que se transforma através de sua experiência nele, leva estas mudanças para outras relações. Até que, em um determinado dia, um novo Círculo se formará e ele será o Milionésimo Círculo - aquele que faz a diferença - e nos levará a uma era pós-patriarcal" (BOLEN, 2003, p. 35-36).
REFERÊNCIAS
BOLEN, J. S. O Milionésimo Círculo. São Paulo: TRIOM, 2003.
FAUR, M. Círculos Sagrados para Mulheres Contemporâneas. São Paulo: Editora Pensamento, 2011.
MATURANA, H. R.; VERDEN-ZOLLER, G. Amar e Brincar: fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas Athena, 2004.