terça-feira, 29 de abril de 2014

Samhain - A Morte do Deus


O Sabbath de Samhain (pronuncia-se Sou-ein), festejado em 31 de outubro no hemisfério Norte e em 1º de maio no hemisfério Sul, é o Ano-Novo dos Bruxos. Esse dia sagrado é conhecido por inúmeros nomes, entre eles: Halloween, Hallowmas, Véspera de Todos os Sagrados, Véspera de Todos os Santos, Festival dos Mortos e Terceiro Festival da Colheita, é o mais importante dos oito Sabbaths dos Bruxos. Para muitos, talvez, o mais conhecido seja Halloween. Para nós, Bruxos, é a festa na qual honramos nossos ancestrais e aqueles que já tenham partido para o País de Verão. Essa é a noite em que o véu que separa o mundo material do mundo espiritual encontra-se mais fino e o contato com nossos ancestrais torna-se mais fácil. É também o momento tradicional para celebrar a última das colheitas e se preparar para o Inverno.                                                                                                          O poder de magia pode ser sentido no ar, nessa noite. O Mundo dos Espíritos Ancestrais se liga com o nosso conforme a luz do Sol baixa e o crepúsculo chega. Os espíritos daqueles que já partiram para o outro plano são mais acessíveis durante a noite de Samhain.                                                                 
Samhain ocorre no pico do Outono. É o tempo do ano em que o frio cresce e a morte vaga pela Terra. O Sol está enfraquecendo cada vez mais rapidamente, a sombra cresce e as folhas das árvores estão caindo, numa preparação ao Inverno que chegará. Essa é a última colheita, o inicio da estação da cidra,o tempo em que os antigos povos da Europa marcavam e sacrificavam seus gados e preservavam sua carne para o Inverno, pois esses animais não podiam sobreviver em grande escala nesse período do ano devido ao frio vindouro. Só uma pequena parte, os mais viris e fortes, era mantida para o ano seguinte.            
A versão cristã do Samhain é o Dia de Todos os Santos (1o de novembro), que foi introduzido pelo Papa Bonifácio IV, no século VII, para substituir o festival pagão. O Dia dos Mortos (que cai a 2 de novembro) é outra adaptação cristã ao antigo Festival dos Mortos. é observado pela Igreja Católica Romana como um dia sagrado de preces pelas almas do purgatório.
Em várias regiões da Inglaterra acredita-se que os fantasmas de todas as pessoas destinadas a morrer naquele ano podem ser vistos andando entre as sepulturas à meia-noite de Samhain. Pensava-se que alguns fantasmas tinham natureza má e, para proteção, faziam-se lanternas de abóboras com faces horrendas e iluminadas, que eram carregadas como lanternas para afastar os espíritos malévolos. Na Escócia, as tradicionais lanternas Hallows eram esculpidas em nabos.                                                 
Um antigo costume de Samhain na Bélgica era o preparo de "Bolos para os Mortos" especiais (bolos ou bolinhos brancos e pequenos). Comia-se um bolo para cada espírito de acordo com a crença de que quanto mais bolos alguém comesse, mais os mortos o abençoariam.                                                                 
Outro antigo costume de Samhain era acender um fogo no forno de casa, que deveria queimar continuamente até o primeiro dia da Primavera seguinte. Eram também acesas, ao pôr-do-sol, grandes fogueiras no cume dos morros em honra aos antigos deuses e deusas, e para guiar as almas dos mortos aos seus parentes.                                                              
Samhain é a noite em que o Velho Rei morre e a Deusa Anciã lamenta sua ausência. O Sol está em seu ponto mais baixo no horizonte, de acordo com as medições feitas através das antigas pedras da Britânia e da Irlanda, razão pela qual os Celtas escolheram esse Sabbat, em vez de Yule, para representar o Ano-Novo. Para os Antigos Celtas, esse dia sagrado dividida o ano em duas estações, Inverno e Verão. Samhain era o dia no qual começavam o Ano-Novo celta/druida, por isso era um tempo ideal para términos e começos.            É o dia ideal para honrar os mortos, pois nele os véus que separam os mundos estão mais finos. Aqueles que morreram no ano passado e aqueles que estão reencarnando passam através dos véus e portais nesse dia. Os Portões das Sidhe estão abertos e nem humanos nem fadas precisam de senhas para entrar e sair.                                                                          
Em Samhain, o Deus finalmente morre, mas sua alma vive na criança não-nascida, a centelha de vida no ventre da Deusa. Isto simboliza a morte das plantas e a hibernação dos animais, o Deus torna-se então o Senhor da Morte e das Sombras. Samhain é um festival do fogo e é a entrada para a parte sombria e fria da Roda do Ano. É em Samhain que as fogueiras são acesas para que os espíritos do outro mundo possam encontrar os caminhos para partirem ao Outro Mundo (País de Verão).             
Samhain é o tempo de lembrarmos com amor aqueles que partiram para o outro lado, por isso é chamado de a Festa Ancestral. Toda a família, ou grupo, se reúne para reverenciar os que já partiram. É muito comum nesse Sabbath se realizar uma ceia em silêncio, conectando-se com aqueles que já cruzaram os portais dos mundos. É tradicional também deixar um lugar à mesa para os ancestrais e lhes servir pratos como se eles estivessem presentes à ceia.                                       
   Para aqueles que não têm família para festejar e celebrar seus ancestrais, alimentos geralmente são deixados do lado de fora de casa, na porta de entrada, em homenagem aos familiares e amigos desencarnados.                   
  É também tradicional deixar uma vela acesa na janela da casa para ajudar a guiar os espíritos ao longo de sua caminhada ao nosso mundo para que possam encontrar o caminho de volta.                                                                  
Samhain é um dos quatro grandes Sabbaths e muitas vezes é considerado o Grande Sabbath.                                       
Por ser o maior de todos e o mais importante também, todos os Pagãos consideram Samhain como a noite mais mágica do ano. Muitas práticas adivinhatórias foram associadas a Samhain, as mais comuns eram aquelas que prenunciavam casamentos e fortunas para o próximo ano que estava se iniciando.                                                                                       
Uma das tradições mais comuns praticadas pelos povos antigos era a de colocar várias maçãs em um grande barril de água. Várias mulheres se reuniam em volta do barril, e a primeira que conseguisse pegar uma das maçãs seria a primeira a casar no próximo ano.                Na Escócia, colocavam-se pedras entre as cinzas da lareira, deixando-as "descansar" durante a noite. Se alguma pedra fosse descoberta durante a noite, representaria a morte iminente durante o próximo ano de um dos moradores da residência.      Sem sombra de dúvida a prática mais famosa do Samhain é o Jack O'Lantern (máscaras de abóboras), que sobrevive até hoje nas modernas celebrações do Halloween. Vários historiadores atribuem suas origens aos escoceses, enquanto outros lhe conferem origem irlandesa. As máscaras eram utilizadas por pessoas que precisavam sair durante a noite de Samhain. As sombras provocadas pela face esculpida na abóbora tinham a virtude de afastar os maus espíritos e todos os seres do outro mundo que vinham para perturbar. Máscaras de abóboras também eram colocadas nos batentes das janelas e em frente à porta de entrada para proteger toda a casa.              
O costume norte-americano de vestir-se com trajes típicos e sair pelas casas dizendo Trick or treating, nas noites de Halloween, é de origem céltica. Nos tempos antigos, o costume não era relegado às crianças, mas sim aos adultos. Em tempos ancestrais, os vagantes iam cantando cânticos da época de casa em casa e eram presenteados com agrados pelo seus habitantes. O Treat (presente) também era requerido pelos espíritos ancestrais nessa noite através de oferendas.                                        
O Deus neste período é identificado com os animais que eram sacrificados para continuidade da vida.                          
Samhain é um tempo para a reflexão, no qual olhamos para o ano mágico que passou e estabelecemos as metas para nossa vida no ano que entra.

Correspondências de Samhain:


·         Decoração do Altar: pano preto, velas laranjas, pretas e/ou vermelhas, caldeirão ou pote com água, maçãs, abóboras iluminadas, pode-se utilizar uma vara com fita preta, tarot, runas, bola de cristas ou outro oráculo, armas mágicas.                                 
·         Cores: laranja e preto                                                                 
·         Deuses: Deuses Anciãos, a Deusa na sua face da Anciã, o Deus como o Senhor das Sombras.                                              
·         Plantas e ervas: nós-moscada, sálvia, menta, mirra, patchuli, artemísia, alecrim, musgo, calêndula, louro, mandrágora, bolota, aveia, avelã, maçã, verbasco, erva-moura, abóbora, erva do espírito santo, absinto, flor de Diana, hortelã, pimenta, sândalo, gengibre, etc.             
·         Óleo: misture óleos de alecrim e de louro juntos ou use óleo de sândalo.
·   Comidas: rosbife, ganso, pato ou peru, fritada de maça, torta de maça, torta de abóbora, purê de nabo, vinho, cidra quente com açúcar e condimentos, batatas e pimentões assados, biscoito de avelã, chã de hortelã, pão de milho, pão de abóbora, salada de cebola roxa, beterraba, etc.                                                                                                
·   Pedras: obsidiana, floco de neve, ônix, cornalina, turmalina negra, âmbar, granada, hematita.                                              
·       Símbolos: abóboras esculpidas (Jack-o-lanterns), espelho ou vaso para adivinhação, tocha, fogueira, pedras, vassouras, talos de milhos, runas, fotografia de ancestrais mortos, varas de carvalho ou aveleira amarradas em fitas pretas.                    

·       Atividades: tomar resoluções para serem colocadas em prática no próximo ano que se inicia, queima de pedidos, confeccionar um Jack O'Lantern, fazer oferendas de maçãs e pães no jardim dos ancestrais,  adivinhação através do Tarô, das Runas, da bola de cristal, da vidência em espelho negro e caldeirões com água, fazer máscaras que expressem a sua sombra, confeccionar vassouras, confeccionar um Bastão Mágico,confeccionar uma Witch's Cord (Corda de Bruxa) para proteção durante o decorrer do ano, acender uma vela laranja à meia-noite para atrair sorte no ano que se inicia, erigir um Altar com a foto de seus ancestrais amados e colocar oferendas sobre ele, demonstrando seu agradecimento e reconhecimento pelos feitos deles na Terra.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Deusas Celtas Soberanas da Terra e da Guerra

Deusas Celtas Soberanas da Terra e da Guerra

A morte nasce conosco e conosco caminha por todos os instantes da vida, mesmo
que tentemos ignorá-la” John O'Donoghue, escritor irlandês.


Do grande tronco indo-europeu faziam parte os vários povos celtas estabelecidos em diferentes lugares do continente europeu. Considerados pelos romanos como bárbaros valentes,  jamais formaram um império pois lhes faltava uma liderança única, as diversas tribos sempre guerreando entre si. Apesar da sua diversidade étnica, entre os séculos VIII e V a.C. houve uma cristalização da cultura celta com a uniformização dos sepultamentos (os mortos passaram a ser enterrados com armas e pertences e não mais cremados), a construção de fortificações com paliçadas e melhor elaboração dos conceitos e costumes sobre vida e morte. A sociedade celta era dividida em clãs e os laços familiares eram muito valorizados. As mulheres celtas se assemelhavam aos homens não apenas pela sua estatura e altivez, mas também com respeito à coragem e participação ativa nas batalhas, conforme comprovam centenas de relatos de mulheres poderosas e rainhas deificadas
como Boudicca e Maeve.

            Os celtas respeitavam profundamente a Natureza, honrando a Terra e suas criaturas como elos sagrados na teia da criação e na magia da vida. Esta reverência e o culto de inúmeras divindades ligadas às forças da natureza mantiveram-se intactos mesmo depois da romanização das terras celtas e do sincretismo com os deuses romanos. Porém, a erradicação e perseguição agressiva e opressiva da religião pagã aconteceram com a chegada do cristianismo, que conseguiu impor seus dogmas e proibições apesar da resistência dos druidas e do povo, principalmente o irlandês. Para erradicar a religião pagã e suas tradições os monges cristãos começaram a registrar lendas, mitos, crenças e costumes com as devidas correções e inevitáveis distorções, introduzindo elementos e conceitos cristãos. Mesmo assim, uma boa parte do legado ancestral foi preservada e o substrato original pode ser distinguido se usarmos um “filtro” corretor, olhando além das incongruências conceituais e sobreposições cristãs.
            Um dos conceitos celtas mais difíceis de compreender e aceitar - pela nossa cultura cristã e a mentalidade atual - é a associação dos arquétipos sagrados femininos com a guerra. Para transpormos barreiras conceituais devemos conhecer o princípio celta da soberania da terra, sempre representado por uma Deusa Mãe com características protetoras e defensoras. A vida e a sobrevivência dependiam da terra e por isso ela devia ser preservada e protegida, pois desrespeitar a terra e a soberania de um povo significava ofender e ameaçar a própria natureza criadora da vida. A soberania – o verdadeiro poder de quem governava e conduzia os destinos de um povo – pertencia a um arquétipo feminino, a própria Deusa da Terra, com a qual o rei ou governante devia se casar simbolicamente para garantir a prosperidade e paz. O casamento do rei com a Deusa da terra representava as condições indispensáveis para que a soberania se manifestasse: respeito, igualdade, confiança, parceria e solidariedade. A representante da Deusa soberana era uma sacerdotisa ou rainha imbuída de poderes especiais, que até mesmo podia ser divinizada, como se conclui das lendas de Macha, Maeve e Boudicca. Nos mitos aparece de forma metafórica o alerta sobre as consequências da opressão, violência e exploração da natureza e da mulher com os inerentes desequilíbrios, a falta de prosperidade e do convívio pacífico.
            Em várias lendas, Macha (pronuncia-se Maha) é descrita como uma típica deusa celta tendo um caráter ambíguo: ora generosa e gentil, ora terrível e implacável guerreira. Ela – assim como Maeve – é uma divindade ctônica, ligada às dádivas da terra e à sua necessária defesa e  proteção. Maeve (ou Medb) representava o espírito feminino arcaico, existente em cada mulher e que é expresso em grau maior ou menor como comportamento instintivo, impulsivo, corajoso, combativo, sedutor e fértil.

            Outras fontes citam Macha como sendo uma das faces de Morrighan, a formidável deusa tríplice da guerra, morte e sexualidade (o meio natural para garantir a fertilidade). As faces de Morrighan chamadas de Morrigna eram conhecidas como: Nemain, o frenesi combativo que infundia o terror nos inimigos, Morrighan, a “Grande Rainha” que planejava o ataque e incitava o heroísmo e a valentia dos combatentes, Macha ou Badb, o corvo que se alimentava dos cadáveres dos mortos em combate e que era associada aos sangrentos troféus da batalha (as cabeças decapitadas dos inimigos, consideradas “sua colheita”). Esta triplicidade também era conhecida com os nomes de Banba, Fotla, Eriu, as ancestrais padroeiras da Irlanda.
            A natureza das deusas celtas é multifuncional e com complexos significados, mesclando elementos ancestrais dos pacíficos povos pré-celtas (maternidade, fertilidade) com os dos combativos celtas, onde prevaleciam atributos de guerra, morte e sexo, acrescidos de soberania. Várias divindades representam uma paradoxal união de extremos: amor e guerra, guerra e fertilidade, guerra e soberania. Não existe uma deusa do amor no panteão celta, as deidades - deusas e deuses- simbolizam as forças da natureza e a eterna roda da vida/ morte/renascimento, início/fim/recomeço, em que os opostos se seguem em círculos evolutivos e tem o mesmo peso.
            Na filosofia celta não existia vida sem morte, nem paz sem guerra. Cada ser traz em si estes elementos e pela sua percepção vemos a necessidade do seu equilíbrio, que pode ser desestabilizado pela  supervalorização de uma característica em detrimento de outra. Nosso desenvolvimento espiritual depende da compreensão e harmonização de todos os elementos que fazem parte do nosso ser. Somente conhecendo a face escura e selvagem e “domando-a”, poderemos tomar consciência da nossa divina complexidade, conhecendo assim a verdadeira e completa natureza. É possível unir as qualidades maternais e femininas com os aspectos guerreiros, os dons da arte, magia e sedução.
            Em muitas referências míticas, iconográficas e literárias vê-se a forte ligação entre as deusas da guerra e a presença de mulheres nas batalhas. Indo além das interpretações tendenciosas romanas e as difamações cristãs, percebemos esta ligação como uma associação simbólica entre guerra e ritual. Para os celtas a caça era uma atividade que envolvia rituais para assegurar o sucesso, da mesma forma como as mulheres celtas vestidas de preto, com os braços elevados e proferindo maldições contra os conquistadores romanos tinham um forte componente ritualístico. As sacerdotisas que atuavam nos campos de batalha usavam encantamentos para atrair poderes sobrenaturais e direcioná-las contra os inimigos, fortalecendo seus companheiros para não recuar perante o inimigo. Os historiadores r omano s descreveram as mulheres celtas como bruxas ferozes e ameaçadores, altas, robustas, com pele alva e olhos azuis e longos cabelos ruivos, sacudindo os punhos com raiva e gritando maldições. Em outras situações, as mulheres ficavam com seus filhos na retaguarda e incentivavam seus homens com gritos e orações para que lutassem melhor e não desistissem.
            Das inúmeras mulheres guerreiras, sacerdotisas e rainhas poderosas sobressaem-se duas famosas rainhas: Cartimandua, dirigente dos Brigantes, sacerdotisa da deusa Brigantia e Boudicca governante dos Iceni, que se tornou famosa por venerar a deusa Andraste ou Andarta, a deusa da guerra citada por várias fontes. O nome Boudicca ou Boadiceia se origina na palavra celta bouda que significa vitória. A sua história é repleta de atos de coragem nas batalhas e crueldade com as prisioneiras, que eram empaladas vivas e mutiladas como oferendas sangrentas para a deusa Andraste e uma vingança pelo estupro das suas filhas e a conquista da terra pelos romanos. Existe um forte elo entre Boudicca e Andraste, podendo serem vistas como aspectos de uma mesma entidade, uma residindo no mundo sobrenatural e a outra sendo uma valente dirigente e cruel guerreira humana, ao mesmo tempo servindo como sacerdotisa da deusa da guerra.
            Andraste ou Andred cujo nome significa ”A Invencível' era uma deusa irlandesa equiparada com Andarte cultuada na Gália e com características semelhantes à Morrighan, sendo evocada na véspera das batalhas para garantir a vitória. Os romanos diminuíram seu status para uma deusa lunar (por ser a lebre seu totem) e a associaram ao amor e fertilidade. No entanto, o arquétipo original de Andraste é de uma deusa escura e ceifadora, invocada apenas nos momentos de extrema necessidade, pois ela exigia sacrifícios de sangue humano, considerado o mais potente substrato mágico. Ela controlava os fios da vida de cada ser humano, do nascimento até a morte, pois a morte era parte inevitável da vida. O seu lado sombrio (da anciã) era amenizado pelos seus atributos de deusa lunar, regente do amor e da fertilidade (como mãe criadora da vida) e regente da caça (na sua face de donzela).

            O aparente paradoxo entre os aspectos e naturezas das deusas celtas reflete a profunda compreensão do processo de dar/receber, nascer/morrer, começo/fim. Muitas deusas aparecem como figuras promíscuas e destrutivas, mas elas personificavam aspectos da natureza, como a fertilidade e a soberania da terra, que tinham que ser defendidas a qualquer preço para assegurar a sobrevivência dos descendentes. A criação e a destruição são processos interdependentes, existe uma ausência de vida na escuridão da terra que recebe os mortos, mas também é a terra escura que abriga e promove o desabrochar das sementes, que renascem - assim como os mortos nela enterrados – para uma Nova Vida.



Texto: Mirella Faur

domingo, 13 de abril de 2014

Páscoa e seu paganismo "oculto"

Tem anos em que a Páscoa é em abril, mas, às vezes, cai em março. Você sabe como isso funciona no nosso calendário?


A data da Páscoa é algo que a maioria das pessoas aceita sem questionar o fato de não ocorrer numa data fixa!
A primeira lua cheia do outono (primavera, no hemisfério norte) é chamada de Lua de Páscoa. Tradicionalmente, a comemoração da Páscoa é datada como o primeiro domingo depois dessa lua cheia.
A discussão para a fixação de uma data para celebrar a ressurreição de Cristo aconteceu no Concílio de Nicéia no ano de 325, que estabeleceu regras bastante rígidas para a determinação da Páscoa: ela é celebrada no primeiro domingo após a lua cheia que vier depois de 21 de março, início da primavera no hemisfério norte, pois isto substituiria os ritos pagãos de fertilidade.
Para entendermos melhor o que o Concílio de Nicéia tentou suprimir é necessário analisarmos não somente a Páscoa, mas, o Carnaval que a antecede, claro que sabemos que o carnaval não é uma festa cristã. Na verdade, ela é anterior ao Cristianismo e seus primeiros relatos foram atribuídos à Roma, na Antiguidade.
Os romanos organizavam festivais para quase tudo e alguns deles podem ter relação com o carnaval moderno. Naquela época, o ano estava dividido em dez meses – começando em março, com a primavera.
Fevereiro era fim-de-ano, quando acontecia a Februália, em honra a Februs, deus associado à morte e purificação. Mas a Februália não era tempo de regozijo. Orações e oferendas pediam para que a chegada da primavera – e o novo ano – trouxesse boa colheita.
Antes havia a Saturnália, em honra ao deus Saturno da mitologia grega. Um período em que as pessoas não trabalhavam, trocavam presentes e até os escravos eram temporariamente tratados como iguais.
Na Roma Antiga, também iremos encontrar os festivais em honra aos deuses Baco e Saturno, onde percebemos o carnaval associado às Bacanais ou Grandes Dionisíacas (festa da terra, do vinho e da floresta), efetuadas em honra a Baco, celebradas, principalmente, pelos camponeses que se apresentavam mascarados nestas festividades.
O carnaval era uma prática religiosa ligada à fertilidade e ao solo. Era uma espécie de culto agrário em que os foliões comemoravam a boa colheita e o retorno da primavera, assim como a benevolência dos Deuses.

Como de costume, essas celebrações foram incorporadas pela Igreja Católica, e a palavra carnaval, segundo a maioria dos historiadores, se liga à expressão carne levare, “afastar a carne” – um último grito de alegria antes dos sentimentos pesarosos da Quaresma.

domingo, 6 de abril de 2014

MEDUSA E ATHENA

MEDUSA E ATHENA

Na arte clássica grega existem duas diferentes apresentação de Athena. A imagem mais familiar é a da deusa severa paramentada com armadura, elmo e escudo, a virgem invicta e guardiã de Atenas, que protege as batalhas e os heróis, já a mais antiga a mostra como uma deusa majestosa, com o manto e cabelos decorados com serpentes e um fuso na mão esquerda. No entanto, mesmo a figura guerreira guarda a memoria arcaica de suas verdadeira origem, que aparecem na cabeça do górgone com cabelos de serpentes, existentes no seu escudo chamado Gorgoneion. Esta é a revelação da descendência de Athena, herdeira da deusa minoana das serpentes, cultuada um milênio antes do mito patriarcal transformá-la na filha nascida da cabeça do seu pai Zeus, surgindo totalmente armada e pronta para a batalha.
Os mitos mais recentes descrevem o górgone como um monstro aterrorizador, vencido e morto pelo herói Perseu, que após decapitá-la, entregou a deusa Athena a sua cabeça como gratidão pela ajuda recebida.
Analisando os detalhes do seu nascimento descobrimos que a mãe de Athena era a deusa Metis, uma das esposas de Zeus, que a engoliu, temendo que o filho que ela carregava no ventre pudesse destrona-lo, assim como ele tinha feito com seu progenitor Chronos. Sofrendo as atrozes dores de cabeça Zeus pediu a ajuda do deus ferreiro Hefaisto, que lhe abriu a cabeça com seu machado e dela emergiu Athena, defensora da ordem patriarcal e não sua opositora. É evidente a metáfora que descreve o predomínio do direito paterno e patriarcal sobre a antiga ordem da sociedade matrilinear e matrifocal. Vemos nisso uma semelhança com o nascimento de Eva de uma costela de Adão, o primogênito. Tanto Eva quanto Athena sendo associada a serpentes.
Em grego, Athena pode ser compreendida como A Thea, A Deusa, que também deu nome a cidade por ela patrocinada. Seu segundo nome Pallas, significa “virgem”, pois em nenhum mito é feito referencia a sua condição de mãe, sendo sempre conselheira, protetora e amiga de heróis e reis.
Uma antiga imagem minoana do período neolítico a retrata como uma deusa alada e com cabeça de pássaro. A transformação de Athena, de uma deusa pássaro e serpente em uma deusa guerreira que negou sua filiação materna, ocorreu ao longo dos dois milênios de influencias indo-europeias e orientais na Grécia. O nome de sua mãe – Métis – permaneceu no seu atributo “sabedoria” ou “aconselhamento prático”.




A ORIGEM SERPENTÍNEA DE ATHENA

A origem serpentinea de Athena aparece ocultada na lenda da Medusa que foi transformada pelo patriarcado na terrível górgone cujo olhar petrificava os homens.
Na realidade Medusa era neta de Gaia, seu nome significava Senhora ou Rainha, sendo a deusa serpente das Amazonas na Líbia, uma das três irmãs górgones cujo cabelo encaracolado era semelhante a uma coroa de serpentes.  Elas protegiam os mistérios matrifocais antigos e os limites dos lugares sagrados. Em uma inscrição antiga Medusa era chamada de “Mãe dos Deuses, passado, presente, futuro, tudo o que foi, é e será” (frase posteriormente copiada pelos cristãos para definir Deus). Sua sabedoria era resumida nesta frase: “nenhum mortal foi capaz de levantar o véu que me oculta”, por Ela ser a própria morte, sendo o aspecto destruidor da deusa tríplice. Outro significado de sua face oculta e perigosa era o tabu menstrual, pois os povos antigos temiam o poder mágico do sangue menstrual, que poda criar e destruir a vida. A serpente é um antigo símbolo da sabedoria feminina e também representa o poder da energia kundalini, a capacidade de transmutação e regeneração.
Originalmente a cabeça da górgone era encontrada na entrada dos templos como um escudo de proteção, a górgone arcaica representando uma trindade lunas formada por sabedoria, força e proteção. A lenda conta que o sangue de Medusa – que tanto servia para curar como para matar -  foi colhido dos seus dois lados (esquerdo e direito) colocado em duas ânforas e dado a Asclépio e a sua filha Hygéia, deuses da cura. A imagem das duas serpentes entrelaçadas existentes no caduceu (o bastão das divindades de cura) simboliza o conceito de vida e morte, a polaridade masculino/feminino, esquerda/direita, a representação da hélice dupla do DNA. Os antigos símbolos da deusa serpente minoana sobreviveram na ordem patriarcal apenas no seu aspecto escuro e ameaçador (principalmente para os homens, que ficavam paralisados pelo poder do olhar da Medusa).
Um mito antigo atribui à Medusa o nascimento do cavalo alado Pégaso, como fruto da sua união com Poseidon, ambos metamorfoseados em equinos. Outro mito mais recente descreve sua criação do sangue jorrando do pescoço de Medusa quando sua cabeça foi cortada pela espada brilhante de Perseu. A vitória de Perseu é vista como uma ode à vitória da luz sobre os terrores da escuridão e das serpentes, reforçando assim a dicotomia entre luz e sombra, masculino e feminino, sol e lua.
Compete aos atuais seguidoras da Deusa compreender a  complexa polaridade deste mito não como um conflito entre o arquétipo patriarcal de Athena e sua antiga origem lunar e górgonica, mas uma complementação de opostos personificados por Athena – o aspecto solar, guerreiro, criativo, heroico – e, Medusa, sua contraparte lunar, passiva, obscura e misteriosa, mas igualmente poderosa.




Texto: Mirella Faur